Por unanimidade de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional a determinação de pagamento imediato de reparação econômica aos anistiados políticos, nos termos do que prevê o parágrafo 4º do artigo 12 da Lei da Anistia (Lei 10.559/2002), que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 553710, em que a União questionava determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de pagamento imediato da reparação devida a Gilson de Azevedo Souto, 2º sargento anistiado da Aeronáutica, de 78 anos. Por ser considerado “subversivo” pelo regime militar instalado no país a partir do golpe de 1964, o então cabo foi expulso das Forças Armadas. A matéria constitucional discutida neste recurso teve a repercussão geral reconhecida, o que fará com que a decisão tomada nesse caso seja aplicada a pelo menos 946 ações semelhantes que estavam suspensas (sobrestadas) à espera do julgamento. O recurso da União teve seu provimento negado por unanimidade de votos. A discussão dos termos da tese de repercussão geral está prevista para a Sessão Plenária do dia 23 próximo.
O militar foi anistiado em janeiro 2004 pela Portaria nº 84, do Ministério da Justiça. Desde então recebe reparação econômica mensal, permanente e continuada de R$ 2.668,14, mas ainda faltam valores atrasados, relativos ao período compreendido entre 27/01/1998 a 14/01/2004, no valor de R$ 187.481,30 (valor sobre o qual devem incidir correção monetária e juros de mora), fazendo com que a portaria que o anistiou não tenha sido integralmente cumprida.
No STF, a União sustentou não haver dotação orçamentária suficiente para atender ao pleito, não sendo correto falar em omissão do Ministério da Defesa, que apenas aguarda disponibilidade de verbas para fazer o pagamento, nem tampouco em direito líquido e certo do anistiado para receber os valores. Por esse motivo, a União decidiu priorizar o pagamento mensal ao anistiado. Ainda de acordo com a União, a imposição, na via judicial, de cumprimento imediato de atos administrativos (portarias editadas pelo ministro da Justiça) violaria o princípio da legalidade da despesa pública, tal como consagrado nas leis orçamentárias previstas no texto constitucional.
Voto
Em seu voto (leia a íntegra), o ministro Dias Toffoli demonstrou, com base em informações da própria União, que havia dotação orçamentária expressiva nos anos seguintes à edição da portaria para cumprimento da reparação econômica, em rubrica específica para este fim. “Demonstrada, portanto, a existência de dotação orçamentária decorrente de presumida legítima programação financeira pela União, não se visualiza, no presente caso, afronta ao princípio da legalidade da despesa pública ou às regras constitucionais que impõem limitações às despesas de pessoal e concessões de vantagens e benefícios pessoais”, enfatizou.
Segundo o ministro, a recusa de incluir em orçamento o crédito previsto na Portaria nº 84/2004, do Ministério da Justiça, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, no caso concreto, dos anistiados, por se tratar de cidadãos cujos direitos foram preteridos por atos de exceção política, que foram admitidos com anos de atraso pelo Poder Público. Por esse motivo, de acordo com seu voto, o governo federal não pode se recusar a cumprir a reparação econômica, reconhecida como devida e justa pelo Congresso Nacional e, posteriormente, por procedimento administrativo instaurado com essa finalidade.
“Não há dúvida de que a opção do legislador, ao normatizar e garantir os direitos a esses anistiados, foi de propiciar àqueles que tiveram sua dignidade destroçada pelo regime antidemocrático outrora instalado em nosso país, um restabelecimento mínimo a essa dignidade. Portanto, havendo o preenchimento desses pressupostos – o reconhecimento do débito pelo órgão da Administração em favor do anistiado e a destinação de verba em montante expressivo em lei – não há como se acolher, nos presentes autos, a tese de inviabilidade do pagamento pela ausência de previsão orçamentária para o atendimento da pretensão”, concluiu.
Parcelamento opcional
O ministro Dias Toffoli afirmou que, com a promulgação da Lei 11.354/2006 – que autorizou o Poder Executivo a parcelar os valores devidos aos anistiados políticos que aderissem ao parcelamento e renunciassem à possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para cobrança do valor –, houve exclusão da dotação orçamentária dos valores retroativos devidos aos anistiados que não assinaram o termo de adesão.
“Com o advento desse diploma legal, exigiu-se nova leitura do sistema. Note-se que em momento algum a lei obrigou os que foram declarados anistiados a assinar o termo de adesão para que pudessem receber os valores retroativos. No entanto, embora a lei tenha gerado uma faculdade às partes, houve uma subversão do sistema, na medida em que a partir da referida lei, o Poder Público federal passou a destinar recursos apenas àqueles que aderiam a essa forma de acordo”, assinalou.
VP/FB