Por maioria, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 134682 para determinar o trancamento de ação penal em curso no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) na qual o monsenhor Jonas Abib responde à acusação de incitação à discriminação religiosa. Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Edson Fachin, que apesar de considerar o texto “intolerante, pedante e prepotente”, não identificou a tipicidade da conduta criminal.
De acordo com os autos, o sacerdote da Igreja Católica foi denunciado pelo Ministério Público da Bahia por incitação à discriminação religiosa, crime previsto no artigo 20, parágrafos 2º e 3º, da Lei 7.716/1989, em razão do teor de livro de sua autoria intitulado “Sim, Sim, Não, Não – Reflexões de cura e libertação”. Segundo a acusação, o padre teria feito afirmações discriminatórias e preconceituosas contra a religião espírita e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, incitando a destruição e desrespeito a seus objetos de culto.
Da tribuna, a defesa do sacerdote, fundador da comunidade Canção Nova, que tem a missão de evangelizar pelos meios de comunicação social, afirmou que as declarações contidas no livro são proselitismo, mas não representam discurso de ódio contra essas religiões. De acordo com a defesa, a publicação é destinada a convencer católicos hesitantes, aqueles que também recorrem ao espiritismo ou à umbanda.
Em seu voto, o ministro Fachin afirmou defender o respeito a todas as crenças, mas ressaltou que não cabe ao Poder Judiciário, por razões metajurídicas, censurar manifestações de pensamento. Segundo ele, a liberdade religiosa é parte das garantias constitucionais e abrange o livre exercício de consciência, crença e culto, mas declarações infelizes sobre crenças de terceiros fogem ao espectro de atuação do estado-juiz. “Liberdade de religião é a liberdade de acreditar e de fazer proselitismo em um ou outro sentido”, disse o ministro.
O relator salientou que a liberdade religiosa não é absoluta, devendo ser exercitada de acordo com os princípios constitucionais de convivência das liberdades públicas. Em seu entendimento, o proselitismo constatado no livro, ainda que acarrete comparações religiosas incômodas, não configurou o tipo penal previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que pune a prática, indução ou incitação à “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Para o ministro, ainda que os termos possam sinalizar animosidade, não se verifica na esfera penal uma intenção de que fiéis católicos procedam a escravização, exploração ou eliminação de pessoas de outras religiões. Em seu ponto de vista, há uma tentativa de demonstrar a superioridade da religião católica com vistas a um resgate ou salvação de terceiros, mas não de sua subjugação.
“Apesar de as afirmações serem indiscutivelmente intolerantes, pedantes e prepotentes, entendo que elas encontram guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, ainda que reprováveis do ponto de vista moral e ético, não preenchem o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora”, argumentou o relator.
Único voto divergente, o ministro Luiz Fux entende não ser caso de trancamento da ação penal. Os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso acompanharam o relator dando provimento ao RHC.
PR/FB