O advogado, professor e pesquisador Ronaldo Lemos, em nome do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio) sustentou, na audiência pública sobre bloqueio do Whatsapp e Marco Civil da Internet, realizada no Supremo Tribunal Federal, que juízes de primeiro grau não têm jurisdição para abranger toda a infraestrutura da Internet no país. “A intervenção direta na infraestrutura é prática típica de países autoritários”, afirmou.
Lemos lembrou que a Internet tem duas camadas – a de estrutura e a de conteúdo. Na sua avaliação, o bloqueio de serviços diretamente na estrutura não encontra qualquer amparo legal nem no Marco Civil nem em outros dispositivos legais, “nem está abrangido no poder de cautela do juiz”. Para o professor, seria ‘teratológico” que cada juiz de primeira instância pudesse determinar, individualmente, a suspensão de qualquer serviço de Internet em todo o território nacional, atingindo todos os brasileiros.
Esse tipo de interferência, a seu ver, não é compatível com a Constituição e viola vários princípios fundamentais, como o da liberdade de comunicação e expressão, da pessoalidade da pena e da livre iniciativa. Viola, também, instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem força supralegal.
Mais do que a inconstitucionalidade, Lemos chamou atenção para o fato de que apenas países autoritários, como a Arábia Saudita, admitem a intervenção direta na infraestrutura da Internet – e, mesmo nesses casos, as medidas são tomadas por um poder central, ligado ao Executivo. “Se existisse no Brasil, um órgão desse tipo seria inaceitável e incompatível com o ordenamento jurídico”, afirmou. “Corremos o risco de inovar nas formas de controle da Internet: em vez de uma entidade centralizada, teríamos o surgimento de um modelo infeliz e único onde cada juiz de primeira instância teria esse poder”.
Para o pesquisador, a integridade de serviços de infraestrutura da Internet no Brasil está imunizada pela Constituição contra intervenções dessa envergadura. “Jamais se ouviu falar em bloqueio generalizado de um serviço de telecomunicações, ou o bloqueio sistêmico de estradas e portos”, comparou. “Uma medida assim só seria justificada em casos extremos, que envolvessem segurança nacional. Fora dessas situações, nenhuma entidade ou indivíduo pode deter, no Estado Democrático de Direito, o poder de interferir”, concluiu.
CF/EH