Em decisão majoritária tomada na sessão do dia 29 de maio, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Habeas Corpus (HC 124520) a um detento que pedia concessão de remição ficta da pena (sem realização de trabalho), sob o argumento de o Estado não ter proporcionado condições de trabalho e estudo a ele. O voto vencedor, proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso, apesar de reconhecer no caso a omissão estatal, indeferiu a remição pelo trabalho ficto, tendo em vista o impacto sistêmico e estrutural no sistema penitenciário.
Os advogados do detento alegavam que a ausência de oportunidade de trabalho e estudo por parte da autoridade penitenciária, ainda que em razão de deficiência do aparelho estatal, afronta a Constituição Federal e a Lei de Execução Penal, uma vez que seria fato impeditivo da ressocialização de seu cliente.
Voto do relator
O julgamento foi iniciado no dia 15 de maio com o voto do relator, ministro Marco Aurélio, pela concessão do HC. Ele reconheceu o direito de remição ficta como indenização pelo fato de o Estado não ter assegurado a possibilidade de trabalho ao detento, conforme previsão legal. “O Tribunal Regional Federal da 1ª Região [TRF-1] concluiu no sentido da inércia do Estado, que não teria proporcionado ao custodiado o trabalho e eu reconheci o direito, não potencializando essa figura da remição ficta, mas como parcela indenizatória”, ressaltou.
“O paciente sofreu prejuízo, ante a postura omissiva do Estado”, avaliou o relator, destacando que o preso não pode ser prejudicado por esse fato. De acordo com o relator, o ato ilícito, mesmo partindo do Estado, gera consequências e, no caso concreto, a consequência é a indenização nos termos dos dias em que o detento teria para remir a pena se tivesse trabalhado. Esse entendimento foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.
Negativa
Na sequência, o ministro Luís Roberto Barroso abriu divergência ao negar o pedido. Ele observou que essa é uma discussão relevante, que está ligada à necessidade de urgente restruturação do sistema prisional. “Se nós pudéssemos aplicar essa tese, todas as pessoas do sistema penitenciário, automaticamente, obteriam remição, daí nós estaríamos modificando substancialmente a política pública do setor, nos substituindo ao Executivo”, destacou.
Tal como o relator, o ministro Barroso considerou grave a omissão estatal e reconheceu que o Estado tem o dever de atender aos internos que desejam trabalhar. Para ele, faz parte das obrigações do Estado proporcionar a possibilidade de trabalho como componente importante da ressocialização e salientou que essa questão se insere em um “sistema que apresenta problemas de toda ordem, desde higiene até a incapacidade de separar os internos por periculosidade ou de assegurar a progressão de regime a tempo e a hora”.
No entanto, o ministro ressaltou que a solução não é a remição pelo trabalho ficto, avaliando que uma linha jurisprudencial nesse sentido produziria um “impacto devastador” sobre o sistema penitenciário. “Penso que esse impacto sem uma mensuração adequada seria muito negativo, quando não perigoso”, afirmou. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
Voto-vista
Na sessão do dia 29 de maio, o ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista e acompanhou a divergência pela denegação da ordem, verificando que não houve constrangimento ilegal. Ele entendeu que a concessão do pedido de remição, mesmo que ficta, é juridicamente impossível porque no período de 10 de novembro de 2009 a 26 de julho de 2010 o detento estava submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e uma das regras desse regime é a impossibilidade do trabalho, porque o condenado fica afastado totalmente. “Aqui não há nem que se falar em direito porque o RDD é sanção, por algum fato praticado durante o cumprimento da pena, que acarrete subversão na ordem ou disciplina internas”, explicou.
Além disso, o ministro Alexandre de Moraes destacou que o instituto da remição exige, necessariamente, o desempenho de atividade laboral. Segundo ele, a diminuição da pena em virtude do trabalho realizado é um reconhecimento do Estado, assim “o direito à remição pressupõe o efetivo exercício, seja de atividades laborais, estudantis, leitura e fichamento de livros, mas há a necessidade de se realizar algo e, no caso concreto, nada foi realizado”. No mesmo sentido, votou o ministro Luiz Fux.
Assim, por maioria dos votos, a Turma negou o pedido para a concessão da remição ficta. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber.
EC/CR
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