Após a apresentação do relatório do ministro Luís Roberto Barroso no Recurso Extraordinário (RE) 888815, em que se discute se o ensino domiciliar (homeschooling) pode ser considerado meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover a educação dos filhos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os amici curie (amigos da Corte) realizaram sustentações orais.
Primeiro a falar, o representante da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Gustavo Afonso Sabóia Vieira, afirmou que o homeschooling é uma modalidade que possui inúmeros casos de sucesso. “É um movimento global, regulamentado em pelo menos 60 países em cinco continentes, como Estados Unidos, com 2,5 milhões de estudantes, África do Sul, Reino Unido, Canadá e França”, disse.
Segundo ele, hoje há no Brasil pelo menos 15 mil alunos sendo educados em casa, um crescimento de 2000% em relação a 2011. Vieira apontou que, de acordo com pesquisa da Aned, 32% dos pais que aderiram a esse modelo estão em busca de uma educação mais personalizada para seus filhos e 23% revelam insatisfação com o ambiente escolar.
O representante da associação alegou que esse modelo gera socialização em níveis satisfatórios e aceitáveis, citando estudos dos EUA que mostram, segundo ele, não haver diferenças relevantes no comportamento entre as crianças educadas em casa e aquelas matriculadas na escola. “A experiência mostra que os jovens educados em casa são menos propensos ao alcoolismo e mais propensos a participar de ações cívicas e de voluntariado”, frisou.
Vieira destacou ainda que muitas famílias têm sido ameaçadas e acusadas de crime no Brasil por que resolveram assumir o controle de instrução dos seus filhos. “Isso é inaceitável num Estado Democrático de Direito. O Estado deveria cooperar com essas famílias que se lançaram nessa tarefa árdua e não processá-las. É uma questão humanitária”, ponderou.
Estados
Representando 20 unidades da federação, o procurador de Mato Grosso do Sul (MS) Ulisses Schwarz Viana apontou que a Constituição Federal (CF) estabeleceu um modelo educacional cooperativo, com a participação do Estado e da família, lembrando que o artigo 206 prevê que um dos princípios do ensino no país é a permanência na escola.
“Se reconhecermos o homeschooling como direito constitucional, teríamos que declarar a inconstitucionalidade do Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz ser dever dos pais manter os filhos na escola. E o problema do trabalho infantil, como o Estado fiscalizará? Teremos que fazer concurso público para fiscais do homeschooling? Esses recursos poderiam ser aplicados na escolarização”, argumentou.
União
A advogada-geral da União, ministra Grace Mendonça, ponderou que não há na Constituição Federal espaço para que o Estado abra mão do seu dever na educação em favor de outro agente que também tem responsabilidade no processo educativo, como a família. “A missão dada pelo legislador ao Estado é assegurar o ensino obrigatório e gratuito. Não se conferiu aos pais a faculdade de levarem ou não os filhos à escola”, observou.
Ela citou o parágrafo 3º do artigo 208 da Carta Magna, o qual estabelece que compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.
“Nada substitui, por mais que o ambiente familiar seja profícuo e responsável, a experiência vivenciada nos corredores das escolas, nos trabalhos de grupo, nas atividades literárias conjuntas, nas atividades nas quadras de esporte. São aspectos que permitem contato com uma diversidade cultural ímpar, que vai ser determinante para a formação da pessoa”, sustentou.
PGR
O vice-procurador-geral da República, Luciano Maia, defendeu que o homeschooling não é uma modernidade, mas “uma volta ao passado, ao que se aplicava no início do século quando ainda era difícil ao Estado se organizar e identificar que era um dever dar educação para todos”.
Ele apontou que a educação se faz na escola e no lar, destacando que, nos 365 dias do ano, 200 são letivos. “Então o aluno está em sala de aula e em casa em 200 dias e nos outros 165 estão em casa. Não existe autorização para o particular deixar de levar filho à escola”, reforçou.
RP/CR
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