Suspenso julgamento sobre responsabilidade do Estado em acidente em loja de fogos de artifício

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 136861, com repercussão geral reconhecida, no qual se discute a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de suposta omissão do dever de fiscalizar comércio de fogos de artifício. Atualmente, existem 39 processos sobrestados envolvendo o mesmo tema.

O caso teve origem em ação ajuizada por familiares de vítimas de uma explosão em estabelecimento que comercializava indevidamente fogos de artifício em ambiente residencial. A alegação foi de omissão da Prefeitura de São Paulo, que não teria fiscalizado nem impedido a venda dos fogos em área residencial. De acordo com os autos, os proprietários do estabelecimento solicitaram licença para instalação da loja, mas não foi realizada a vistoria da Prefeitura no prazo de 24 horas, conforme determinado pelas normas do município.

A primeira instância julgou parcialmente procedente a ação para condenar o município a indenizar os familiares, salvo quanto a danos morais reclamados por um dos autores que perdeu esposa e dois filhos no acidente. No entanto, no julgamento de recurso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reformou a sentença e negou o pedido de indenização. Contra o acórdão do TJ-SP, os familiares interpuseram o RE ao Supremo.

Julgamento

O julgamento teve início na última quinta-feira (27) com a apresentação do relatório pelo ministro Edson Fachin (relator) e a sustentação oral da Procuradoria do Município de São Paulo. Na sessão de hoje (3), o relator apresentou voto no sentido do provimento parcial do recurso.

Para Fachin, houve violação do dever fiscalizatório por parte do Município de São Paulo. Segundo o ministro, o município, apesar de provocado por meio de processo administrativo para fiscalizar o local a fim de conceder autorização para o comércio de fogos de artifício, “manteve-se inerte”, e o acidente ocorreu cerca de dois meses depois de formalizado o pedido formulado.

Segundo Fachin, a presença de causas complementares não elimina o nexo de causalidade entre a conduta omissiva estatal e o dano, pois o Estado era obrigado a agir em decorrência de lei. O relator explicou que a fiscalização do local de instalação dessa espécie comercial era, na época dos fatos, regulamentada pela Lei Municipal 7.433/1970 e pela Portaria 843/SAR/1981. Ambas a normas preveem que a administração pública deveria, impreterivelmente no prazo de 24 horas após o protocolo, fazer a vistoria prévia no local indicado pelo solicitante.

A alegação de que não houve autorização do Estado para o funcionamento da loja, segundo Fachin, também não afasta o nexo de causalidade. “Se houvesse sido realizada a vistoria prévia no imóvel, a autorização teria sido imediatamente negada, e o estabelecimento deveria ter sido lacrado e interditado, sendo retirados todos os artefatos explosivos”. Contudo, o município, ao deixar de realizar a vistoria prévia, paralisando o processo administrativo, permitiu, mediante sua omissão, que o comércio funcionasse clandestinamente.

O relator afirmou, no entanto, não ser possível o deferimento de indenização na parte referente a danos morais sofridos por um dos recorrentes que, no acidente, perdeu esposa e dois filhos, em razão de se tratar de matéria infraconstitucional.

Fachin votou pelo provimento parcial do RE para restaurar integralmente os termos da sentença e apresentou a seguinte tese de repercussão geral: “A omissão no dever legal de fiscalizar a atividade de comercialização de fogos de artifício, se dano acarretar a terceiro em virtude dessa conduta omissiva específica, gera a responsabilização objetiva do Estado”.

Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram no mesmo sentido.

Divergência

O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência ao votar pelo desprovimento do RE. Segundo o ministro, a aplicação da responsabilidade objetiva do Estado exige a observância de requisitos mínimos. No caso, entendeu que ao menos dois dos requisitos exigíveis para a aplicação da teoria do risco administrativo e para o reconhecimento da responsabilidade objetiva não estão presentes. Para ele, não houve conduta omissiva ou comissiva do Estado e, consequentemente, o nexo causal não pode ser aferido.

O ministro explicou que a legislação municipal exige, primeiramente, a apresentação de protocolo para funcionamento do estabelecimento, seguido de requerimento de vistoria junto à Polícia Civil. Somente após a realização da vistoria, é expedida ou não licença. “A vistoria é elemento constitutivo da possibilidade da concessão de licença. Não há, para esse tipo de atividade, possibilidade da abertura de um comércio sem a vistoria realizada pela Polícia Civil”.

No caso, observou que os proprietários protocolaram o pedido para abertura do estabelecimento, mas não complementaram a documentação exigida nem comprovaram que haviam requerido a vistoria. “Com isso, o procedimento administrativo ficou obstado e, clandestinamente, deram início ao comércio”, disse. Diante desses aspectos, a atuação do Poder Público, a seu ver, não configurou omissão. “O Poder Público não tem a mínima condição de fiscalizar 100% de algo que é clandestino”, afirmou.

Por fim, o ministro chamou atenção para o fato de que no local funcionava não apenas uma loja de fogos de artifício, “mas um verdadeiro depósito de pólvora, em quantidade que se fazia supor uma fábrica clandestina”.

Acompanharam a corrente divergente os ministros Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Gilmar Mendes.

SP/CR

Leia mais:

27/09/2018 – Iniciado julgamento sobre responsabilização do Estado por dever de fiscalizar

01/02/2011 – Responsabilidade civil objetiva por omissão tem repercussão geral reconhecida pela 2ª Turma

Veja a matéria original no Portal do Supremo Tribunal Federal

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