Entre a Constituição de 1967 e a promulgação da Carta de 1988 foram 21 anos conturbados na história brasileira. O País passou pelo Regime Militar, por movimentos sociais em defesa da abertura política, pela aprovação da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) para os crimes políticos; pela derrota da proposta de emenda constitucional que previa o restabelecimento das eleições diretas no Brasil; pela realização da eleição indireta de Tancredo Neves via Colégio Eleitoral para a presidência da República; pela morte do presidente eleito antes da posse e a assunção do vice José Sarney ao cargo, e a conclusão do processo de transição democrática para a implantação da Nova República.
Diante de tantas atribulações políticas, econômicas e sociais, o Brasil precisava de uma nova constituição e para este fim foi convocada, eleita e instalada uma Assembleia Nacional Constituinte. Coube ao então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Moreira Alves, em 1º de fevereiro de 1987, o comando daquela sessão histórica no Congresso Nacional. “A missão que vos aguarda é tanto mais difícil quanto é certo que, nela as virtudes pouco exaltam porque esperadas, mas os erros se fatais, estigmatizam. Que Deus vos inspirem" , disse Moreira Alves a 559 parlamentes presentes na sessão do Congresso Nacional que inaugurava a elaboração da nova Constituição brasileira.
Um daqueles deputados constituintes era o jurista Nelson Jobim, eleito pelo Rio Grande do Sul e integrante da Comissão de Redação do texto constitucional que viria a ser promulgado 19 meses depois de intenso trabalho e participação popular. Foram analisadas quase 40 mil emendas apresentadas que, segundo o presidente dos trabalhos, deputado Ulysses Guimarães, fez da Constituinte “o foro das multidões”. Jobim lembra o grande debate que houve no Parlamento quando da elaboração do novo texto constitucional. “Havia divergências profundas, mas nós sabíamos administrar as divergências, ou seja, havia modelos não formais de administrar a divergência e criar consenso e com isso se fez uma Constituição que está durando.”
Ainda quando parlamentar, coube a ele a responsabilidade de relatar a Revisão Constitucional de 1993, quando foram aprovadas seis emendas cuja previsão constava do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Nessa revisão foram aprovadas seis emendas, a que dispõe sobre a dupla nacionalidade para brasileiros e da nacionalidade brasileira para estrangeiros; a permissão para a convocação de ministros de Estado para prestar informações sobre assunto previamente determinado, incorrendo em crime de responsabilidade a ausência sem justificativa; a de ampliação dos casos em que os políticos se tornam inelegíveis; a da redução do mandato presidencial de 5 para 4 anos e a da suspensão dos efeitos da renúncia do parlamentar submetido ao processo de cassação do mandato.
Uma década depois de integrar o Congresso Constituinte, Nelson Jobim tomou posse como ministro do Supremo Tribunal Federal e passou à condição de guardião da Carta Constitucional que ajudara a construir. No biênio 2004/2006 passou a presidir a Suprema Corte. Em relação às críticas de que a Constituição é muito emendada, Jobim considera que as atualizações se deram “mais na parte em que a Constituição é menos estável, como na parte econômica, tributária, previdenciária”, mas que o fundamental se mostra inalterado, como o desenho do Estado e os direitos e garantias fundamentais do cidadão, considerados cláusulas pétreas da Carta.
Ele explica que o artigo 5º representa uma barreira contra a penetração do Estado na liberdade individual do cidadão, de forma a possibilitar que as pessoas façam o que bem entenderem no sentido de suas relações. “O que interessa ao Estado e por que o Estado tem que proibir, por exemplo, as relações homoafetivas? Isso não é problema do Estado, isso é problema do cidadão e ele faz o que quiser, desde que respeite o espaço do outro”, disse. Segundo Nelson Jobim, “cabe ao Supremo a obrigação de fazer com que essa barreira seja efetiva”. Ele destaca que divergências parlamentares podem criar determinadas regras que avancem no controle do cidadão, “e aí o Supremo tem de dizer: aqui não entra”.
Quando da elaboração do artigo 5º o legislador constituinte não só criminalizou a prática de racismo, como também a colocou no rol dos crimes inafiançáveis. “Até 1988, as regras antirracistas brasileiras eram constrangidas e quase que topográficas, aparecia o crime de racismo em alguns espaços e em outros espaços não. Então nós avançamos imensamente”.
Promulgação
Foi na tarde de uma quarta-feira, dia 5 de outubro de 1988, quando o deputado Ulysses Guimarães promulgou a sétima Constituição Brasileira, após muitos debates, divergências e convergências para a promulgação do texto final com 245 artigos e outros 70 Atos de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). "Falando com emoção aos meus companheiros, às autoridades chefes do Poder Legislativo que aqui se encontram e falando ao Brasil, declaro promulgada! O documento da Liberdade, da Dignidade, da Democracia, da Justiça Social do Brasil. Que Deus nos ajude que isto se cumpra", declarou "Dr. Ulysses" ao erguer o livro com a nova ordem constitucional do Brasil que acabara de proclamar.
Com artigos detalhados que levaram-na a ser conhecida como Constituição Cidadã, a Carta de 1988 é considerada até hoje uma das mais modernas e democráticas do mundo no que se refere ao respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão. “Os constituintes compreendiam que era a forma pelo qual anunciava-se a construção de um futuro interminável”, afirmou o ministro Nelson Jobim.
AR/EH
*Com informações da Câmara dos Deputados
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