O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu o Habeas Corpus (HC) 157288 para restabelecer sentença que absolveu o médico Luciano Araújo Lopes da acusação de desvio de verbas públicas (peculato). O ministro observou que, na sentença, ficou expressamente anotado não haver provas da intenção de fraudar (dolo) e que esse fundamento não foi afastado pelas instâncias seguintes.
De acordo com os autos, o médico foi acusado de desviar verbas públicas federais e municipais em decorrência de contratos de prestação de serviços firmados com o Programa de Saúde na Família (PSF) e com a Secretaria de Saúde do Município de Tenente Laurentino Cruz (RN), perfazendo uma carga horária de 80 horas semanais. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), como os contratos tinham o mesmo prazo de validade e a mesma carga horária, teria ocorrido fraude com o objetivo de desviar verbas públicas e acumulação ilícita de cargos.
A defesa argumentou que, devido à falta de médicos no alto sertão potiguar, a prefeitura teria contratado o médico para que ele prestasse serviços três vezes por semana no município, compreendendo a atuação no PSF e a realização de pequenas cirurgias. Afirmou, também, que o Conselho Municipal de Saúde do município dispensou o médico da carga horária de 80 horas semanais para que o serviço fosse prestado em três dias da semana, inclusive aos domingos. Segundo a defesa, a conduta poderia se configurar como ato de improbidade administrativa, mas não como crime de peculato.
Em primeira instância, o médico foi absolvido. Segundo a sentença, embora o não cumprimento das cargas horárias pudesse, eventualmente, configurar ilícito civil e implicar o ressarcimento ao erário, a conduta não configura crime, pois não teria havido a falsificação de contrato para desviar verbas públicas.
A acusação interpôs apelação criminal, que foi provida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) para condenar o médico ao cumprimento da pena de três anos e seis meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, além da perda do cargo público. Ao analisar recurso da defesa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação por entender que, para examinar o pedido, seria necessário o revolvimento de fatos e provas.
Decisão
Ao conceder o habeas corpus, o ministro Alexandre de Moraes salientou não ser necessário revolver matéria fática para reconhecer, no caso, a falta de justa causa para a ação penal. Ele observou que o juízo de primeira instância verificou não haver provas de ligação subjetiva entre o médico e o prefeito com a finalidade de desviar verbas públicas ou de causar qualquer outro tipo de dano ao erário.
O relator destacou que, segundo o Código Penal, a não ser em casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime “senão quando o pratica dolosamente” (artigo 18, parágrafo único). Observou, ainda, que ficou assentada em primeira instância a ausência do elemento subjetivo do crime (dolo), compreensão que não foi afastada nos julgamentos supervenientes, de modo que não há subsídios para a condenação.
O ministro ressaltou ainda que a absolvição com relação ao crime de peculato não afasta a possibilidade de responsabilização civil para a devolução dos valores ao erário público.
PR/CR
Veja a matéria original no Portal do Supremo Tribunal Federal