Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Reclamação (RCL) 32722 para assegurar à defesa do empresário Ricardo Cosme Silva, conhecido como “Superman do Pancadão”, acesso aos arquivos originais das interceptações telefônicas constantes da ação penal na qual foi condenado. A decisão majoritária, tomada nesta terça-feira (7), seguiu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, no sentido de que a decisão da Justiça Federal de Mato Grosso, que negou acesso ao conteúdo, viola a Súmula Vinculante (SV) 14, que trata da prerrogativa do defensor de, no âmbito da investigação criminal, ter amplo acesso aos elementos de prova já documentados nos autos.
O colegiado determinou ainda o reinício do prazo para interposição do recurso de apelação após o devido acesso pela defesa aos arquivos originais das interceptações realizadas conforme fornecido pela empresa Blackberry.
O empresário foi condenado pelo Juízo da Subseção Judiciária de Cáceres (MT) à pena de 13 anos e 10 meses de prisão no âmbito da Operação Hybris, deflagrada para apurar a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro. Segundo os autos, ele era um dos líderes de uma organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de drogas compradas na Bolívia e distribuídas em vários estados da federação, especialmente São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Goiás e Pará. Em fevereiro deste ano, o relator deferiu liminar para suspender o andamento da ação penal até o julgamento da Reclamação.
Caso
De acordo com os autos, a Polícia Federal, ao receber os arquivos enviados por empresa de telefonia móvel, teria alterado os cabeçalhos das transcrições das mensagens, adicionando o nome dos supostos interlocutores em lugar dos números de IDs indicados originalmente. Em razão disso, a defesa, entendeu necessário o acesso aos conteúdos originais das interceptações, tal como enviados pela empresa Blackberry, para afastar qualquer controvérsia quanto à confiabilidade da prova. Sustentou que a negativa de acesso feria a Súmula Vinculante (SV) 14.
Voto do relator
O relator assinalou que, conforme informações prestadas pelo Juízo de origem, as edições realizadas pela Polícia Federal se restringiram aos cabeçalhos dos diálogos para fins da facilitação da investigação e não em relação ao conteúdo. Ainda segundo informações da autoridade policial, o cabeçalho é totalmente independente do conteúdo das mensagens, não sendo possível alterar o fluxo de dados do arquivo.
No entanto, segundo o ministro Gilmar Mendes, estabeleceu-se uma situação de dúvida sobre a confiabilidade dos dados apresentados pela autoridade investigatória, tendo em vista ser incontroverso que que os arquivos eram editáveis.
“Assim, a incerteza sobre a fidedignidade das investigações impõe a adoção de medidas para proteção da cadeia de custódia das informações”, afirmou. Para o ministro, cada uma das etapas da operação que realizou a interceptação das comunicações deve ser preservada, para assegurar a integridade do procedimento probatório. O exercício do poder punitivo estatal, disse o relator, pressupõe a existência de uma condenação proferida após o transcurso de um processo penal com o devido respeito aos direitos e às garantias fundamentais.
Os atos estatais, ressaltou Mendes, precisam ser confiáveis. “Se há caracterização de um cenário de dúvida sobre a confiabilidade e a fidedignidade de atos dos atores envolvidos com a persecução penal, deve-se adotar medidas para se resguardar a legitimidade de tal atuação. Nesse caso, como relatado pela própria autoridade policial, há a possibilidade de acesso aos arquivos originais sem maiores dificuldades ou prejuízo para o andamento do processo”.
Por fim, ele considerou não ser o caso de declaração de nulidade da sentença proferida pelo Juízo de origem, tendo em vista que o acesso aos arquivos originais não aportará provas novas, mas somente permitirá a verificação da fidedignidade dos elementos já juntados aos autos. O relator determinou o reinício do prazo para interposição do recurso de apelação após o devido acesso, pela defesa, aos arquivos originais das interceptações realizadas.Acompanharam o voto do relator os ministros Cármen Lúcia, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Divergência
Para o ministro Edson Fachin, único a divergir, tanto a defesa quanto a acusação tiveram acesso amplo e integral aos elementos de prova fornecidos pela empresa de telefonia. Segundo a compreensão do ministro, há que se fazer, no caso, distinção entre o que é conteúdo e o que é transcrição. O conteúdo dos arquivos, afirmou, não foi alterado. Quando se transcreveu o conteúdo para os autos é que houve a identificação nos cabeçalhos com os nomes dos interlocutores. “Não temos, na hipótese, situação coberta pela Súmula Vinculante 14”, concluiu.
SP/AD
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