O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, em sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta-feira (8), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 601182, com repercussão geral reconhecida, que discute a constitucionalidade da suspensão dos direitos políticos nos casos em que ocorra a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
O caso concreto do recurso paradigma envolve a condenação de um cidadão em Betim/MG a pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, por uso de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa, crime previsto no artigo 304 do Código Penal. O RE foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) contra acórdão proferido pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça estadual (TJ-MG).
Em julgamento de apelação criminal, o colegiado estadual acolheu parcialmente o pedido da defesa, mantendo o exercício dos direitos políticos do réu, após a conversão da pena privativa de liberdade pela restrição de direitos. Inconformado com a manutenção dos direitos políticos do condenado, o MP estadual recorreu, levando o caso ao STF.
Sustenta que o acórdão atacado viola o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. Esse dispositivo impede a cassação de direitos políticos, ressalvando que a suspensão ou perda só se dará em casos específicos nele elencados. Entre os casos que levam à perda desses direitos está a condenação criminal com trânsito em julgado, enquanto durarem seus efeitos, prevista no inciso III do mesmo artigo.
Sustentações Orais
Ao defender a procedência do recurso, o procurador-geral de Minas Gerais, Antônio Sérgio Tonet, afirmou que, para o Ministério Público estadual, a substituição da pena é uma forma de execução da sentença e que a suspensão dos direitos políticos pressupõe um efeito da condenação. Segundo ele, a Constituição é clara ao impor essa restrição para impedir que condenados tenham acesso aos cargos públicos, enquanto a condenação tiver efeitos. “Não há nenhum fato novo que justifique interpretação diversa”, disse.
Tonet acrescentou que não há incompatibilidade entre a suspensão temporária de direitos e a Constituição Federal, afirmando que quando o texto constitucional quis extinguir direitos, ela o fez expressamente. Ele acrescentou que a norma é autoaplicável, não necessitando de lei complementar para regulamentá-la.
Opinião diversa manifestou o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia. Na avaliação do Ministério Público Federal a perda dos direitos políticos prevista no inciso III do artigo 15 da CF deve ser analisada à luz do artigo 5º, inciso XLVI, da Carta da República, segundo o qual a lei regulará a individualização da pena e o fará nos casos de suspensão ou interdição de direitos. “O artigo 15 permite, mas o artigo 5, inciso XLVI, exige lei para que essa suspensão aconteça”, afirmou, citando as sanções decorrentes dos crimes de improbidade.
Já os representantes da Defensoria Pública de Minas Gerais, da Defensoria Pública Federal e da Defensoria Pública da Bahia manifestaram-se também pelo desprovimento do recurso extraordinário. Alegaram que a interpretação literal do artigo 15, inciso III põe em risco o princípio da individualização da pena e que a perda de direitos políticos decorrente da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos é a pena mais dura que se pode impor a um cidadão.
Acrescentaram que essa pena não se restringe ao direito de votar e ser votado, mas também a outras esferas da vida do cidadão, até em relação a empregabilidade. Questionaram também se não haveria ofensa ao princípio da isonomia uma vez que impõe a mesma sanção para um condenado por lesão corporal culposa e a outro por homicídio doloso.
Relator
O ministro Marco Aurélio, o único a votar nesta manhã, posicionou-se pelo desprovimento do recurso extraordinário, destacando a defesa dos direitos políticos como direitos fundamentais do cidadão. “Não me associo à corrente da punição a ferro e fogo”, afirmando que não cabe na bancada do Judiciário o justiçamento. Para o ministro Marco Aurélio, a questão dos direitos políticos é algo ligado à cidadania, lembrando que o legislador constituinte originário apontou as situações jurídicas que podem levar à perda ou suspensão desses direitos. Nesse sentido, na avaliação do relator, o alcance do artigo 15, inciso III, não deve ser elástico, mas sim restrito.
Ao se referir à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, o ministro afirmou não entender que o cidadão ainda que beneficiado pela suspensão da pena de prisão sofra uma outra pena que é a perda de seus direitos políticos. Para ele, há um grave descompasso que leva também à quebra dos princípios constitucionais da individualização da pena e da proporcionalidade.
“Assento que, vindo a pena inicial a ser convertida em restritiva de direitos, tem-se quadro decisório que não atrai a suspensão versada no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal”, concluiu o relator que sugeriu como tese para efeitos de repercussão geral o seguinte texto:
“A suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal não alcança situação jurídica em que a pena restritiva da liberdade tenha sido substituída pela de direitos”.
Veja a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio (relator)
AR/CR
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